segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

Diário de um utente hospitalar



Enquanto estou a escrever isto, encontro-me internado no Hospital Egas Moniz, mais precisamente no Internamento II, Sala 2, Cama 26 - é assim uma espécie de sanatório no meio da floresta, para cidadãos da classe média e baixa. Só que a diferença é que esta floresta, aliás matagal, está no meio de Lisboa, no bábelico complexo do Hospital Egas Moniz/Instituto de higiene e medicina tropical (o antigo).
Posto isto, e considerando que se trata de um hospital público, e como estamos em 2007 (*), época de tanga, vacas magras etc., já devem imaginar as magnificência das instalações onde estou: um barracão de piso térreo, com cerca de 400 metros quadrados
- esta tarde vou conferir medindo com os meus passos - construído provisoriamente á cerca de 30 anos - aliás, lembro-me com grata saudade os momentos em que eu e os meus colegas da Escola Secundária D. João de Castro, cujas traseiras dão para este lado do Hospital, nos anos idos de 1980, nos entretínhamos a apedrejar este infeliz pavilhão, como se lá dentro encontrassem a pior espécie de cáfilas, energúmenos e labrostias.
(bela expressão de origem algarvia que condensa numa só palavra todo o tipo de adjectivos possíveis) - cuja construção, muito ao estilo das edificações provisórias que se fizeram um pouco por todo o país (não se lembram? Eram escolas, centros de saúde, bibliotecas, etc. Algumas dessas ainda existem tão importantes e carunchosas como há 30 anos).
Neste belo edifício paralelipídico, existem 6 quartos de internamento colectivo, para respectivamente 8 pessoas, sendo que metade são para mulheres e a outra para o meu género.
Neste meu quarto - o 2 - a minha vizinhança compõe-se de uma população que somadas as idades dá para aí, uns 780 anos.
Como devem calcular, as conversas além de serem sempre em mega-décibeis e isto com os meus companheiros de infortúnio que conseguem articular uma palavra com lógica, são 99% sobre temas relacionados acerca da nossa estada no sanatório provisório. Os temas em si, até conseguem atingir um grau de excelência intelectual, dignos de qualquer tertúlia literária da geração de 70 (não, não são os gadelhudos do PREC).
Senão vejamos:
Utente octogenário de Trás-os-Montes: (aos gritos) Entom? O Benfica num joga echte fim-de-chemana poije nom?
Eu: Sim, joga!
Utente 80: O Polga?
Eu: (aos gritos também) Não! O Benfica joga mesmo!
Utente: O Benfica num joga memo?
Eu: (gritos enormes) Sim! O Benfica joga!
Utente: Ah! Entom num joga ninguém-e. É prá selecçom.
Ou então (versão fórum TSF)
Eu: Então Sr. Manuel, o Chelsea vai dar cabo do Porto, hein?
Utente octogenário: Poije... O Chelchia (sic) é muto milhor eu Puorto.
Eu: Vamos torcer pelos ingleses...
Utente 80: Shim... Mas o jogo é na Alemanha, num é?
Eu: (tom ligeiramente irritado) Não! Na Inglaterra!
Utente 80: Ah, poije... Maj eu gosto do Puorto...
Eu: Ah! Então você é do Porto!!! Aha!!!
Utente 80: (enervado) Nom... Eu gosto do Benfica...
(mete-se outro utente na conversa, com cara de fuinha)
Utente fuinha: Ah ah! O chenhor Manei é tripeiro!!
Utente 80: Chou de Bragancha!
Eu: Oh Sr. Manuel, então é portista, hein?
Utente 80: ....eh... CHOU BENFIQUISTA!
Utente fuinha: eh eh eh! Oh ti Manel! Num pode buber mais! EHEHEHEHEHEH (riso alarve)
Eu: aha! (riso forçado, a tentar solidarizar-me com o simples e honesto povo)
Utente fuinha: OH CHÔR ZÉ! Vamos buber umas loiras? EHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEH (riso ainda mais alarve como quem diz "vejam a confiança que eu tenho com o rapaz que manda os médicos embora!")

(continua amanhã)
(*): isto foi escrito em 2007. Como diria Al Gore, ainda vamos ter saudades da crise de 2007.